Acabo de ver pela TV que a Ruth Cardoso faleceu.
Estou triste e já sinto a sua falta.
Não só porque ela foi uma pessoa importante, já que seu marido foi Presidente do Brasil. Não só porque ela desempenhou seu papel de primeira-dama com uma simplicidade única e com muita discrição. Não só porque ela teve uma vida de pesquisadora que qualquer socióloga invejaria, com passagens pelas universidades do Chile, da França e dos Estados Unidos. Não só porque ela falava num tom baixo, nada submisso, e com aquela doçura que nos remete aos dedicados e competentes professores de antigamente. Não só porque ela possuía um senso crítico fantástico sobre a precariedade da educação e da pesquisa no Brasil. Não só porque acompanhei, como sua aluna na USP, parte de sua trajetória como uma grande conhecedora dos movimentos sociais, uma de suas especialidades como antropóloga. Não só porque suas aulas eram uma delícia de aquisição de conhecimento, já que ela era aberta às temáticas sociais e políticas mais modernas do comecinho dos anos 80. Não só porque ela possuía a segurança necessária em nos transmitir conceitos tão novos até mesmo para uma renomada faculdade como a FFCLH. Fico triste, porque Ruth Vilaça Correia Leite Cardoso, nascida em Araraquara, interior de São Paulo, deixa um vazio intelectual num país que precisava de, pelo menos, outras 100 Ruths para poder ter futuro, poder fazer um planejamento consistente e a longo prazo, capaz de realizar as transformações sociais que nos possibilitem sonhar com uma nação de gente, não um aglomerado de pessoas soltas e entregues à sua própria sorte. Com a morte da Ruth, o país perde um tipo de detentor do saber que só se contrói muito raramente. Perde a chance de dialogar, de ter bom senso, de se orgulhar de uma mulher que foge ao estereótipo atual tão humilhante para o gênero. Perde a delicadeza. Perde quem fundou uma capítulo à parte, em nossa história recente, de luta sem estardalhaço, do fazer sem aparecer. Perde a classe. Perde a postura. Perde uma de suas mais brilhantes intelectuais. Perde o Brasil, perdemos todos nós.
Foto do site http://paginas.terra.com.br/educacao/projetovip/0920.htm