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Estamos em 27 de novembro de 1807. A Europa está devastada por
Napoleão Bonaparte, que mexeu em todos os tronos europeus e, no fim daquele ano, está chegando a Portugal. A corte, desesperada, se atropela com pressa e desordem no cais de Belém para embarcar. Filhas sem pais, mulheres sem marido, pessoas da mais alta nobreza esperam subir a bordo com a roupa do corpo e com pouco ou nenhum dinheiro.
D. João chegou acompanhado de D. Pedro Carlos, infante de Espanha, primo de
Carlota Joaquina, e tomam a nau capitânia
Príncipe Real com 67 m de comprimento que recebe mais de 1.000 passageiros e é a sala do trono flutuante da monarquia portuguesa. Em seguida, chegam Dona Carlota,
D. Pedro, as infantas e o infante
D. Miguel, e se dividem em 4 navios, por questão de segurança dinástica, D. Pedro e D. Miguel embarcam com o pai; dona Carlota e 4 filhas embarcam na fragata
Alfonso de Albuquerque. A rainha,
Dona Maria I, a Louca, com 73 anos, recusa-se a embarcar, pois quer ficar com o povo e resistir. Finalmente, é carregada nos braços pelo comandante da frota real e embarca no Príncipe Real. As 2 princesas do meio embarcam no
Rainha de Portugal enquanto a tia e a cunhada de D. João embarcam no
Príncipe do Brasil. Trazem consigo, metade do tesouro português (algo em torno de 80 milhões de cruzados); a outra metade já fora quase toda gasta para comprar a neutralidade com a França. O que resta em Lisboa (cerca de 10 milhões de cruzados) não dará para mover o reino e pagar as dívidas, o que fará o
general Junot, representante de Napoleão, derreter toda a prataria das igrejas e palácios para pagar a manutenção das tropas francesas em Portugal na guerra que se seguirá e que matará 250.000 portugueses."
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Estava começando um dos mais importantes capítulos da nossa história, já que a permanência da família real no Brasil vai deixar marcas profundas, resultado das muitas mudanças ocorridas com a instalação de um império europeu nas Américas. Aliás, fato esse único em todo o nosso continente.
Até hoje, podemos ver como os tempos de D. João em terras brasileiras fazem-se presentes em nosso dia-a-dia. A expressão "ficar a ver navios" vem daí, isto é, da fuga estratégica da corte portuguesa e teria sido dita para descrever a surpresa do general Junot ao se deparar com a cena descrita anteriormente. Se é verdade ou não, não importa. Vale pela delícia de sua aplicação. E depois, esta já é outra história.