18 de outubro de 2013

A importância da Filosofia como ferramenta para a clínica psicanalítica

De acordo com Freud, Psicanálise é o nome de:
1) um procedimento para a investigação de processos mentais que são quase inacessíveis por qualquer outro modo,
2) um método (baseado nessa investigação) para o tratamento de distúrbios neuróticos,
3) uma coleção de informações psicológicas obtidas ao longo dessas linhas, e que, gradualmente, se acumulou numa "nova" disciplina científica.
Filosofia é, grosso modo, o amor pelo conhecimento, uma maneira de explorar o mundo através de respostas e proposições a fim de compreendê-lo.
Como a Filosofia existe há séculos e deu origem a tantas outras ciências, parece-me uma visão inocente imaginá-la sem nenhuma contribuição à formação da Psicanálise, já que esta surge no século XIX.
A posição de Freud em relação a esta questão, isto é, se a Psicanálise tem a ver com a Filosofia, foi bastante ambivalente. Em alguns momentos, ele faz parecer que sim, como quando diz: “Alimento, na profundidade de mim mesmo, a esperança de atingir, pelo mesmo caminho, meu primeiro objetivo: a filosofia”. Ou ainda: “Em meus anos de juventude, só aspirei aos conhecimentos filosóficos e, agora, estou prestes a realizar este desejo, baseando da medicina à psicologia”.
De qualquer forma, parece haver uma ligação forte entre o pensamento psicanalítico e a filosofia de Empédocles. Este propõe dois princípios do devir na vida do mundo, no qual se percebe um eterno combate recíproco entre philia (amor) e neikos (combate).  Para ele, o amor é uma força unificadora, mas que não existe só. A outra força responsável pela dinâmica é o combate, o ódio.
Ora, tal ideia é bem próxima à teoria freudiana das nossas duas pulsões originárias: Eros e Destrutividade. Assim, as ações humanas estão sujeitas a uma complicação de natureza diferente. Muito raramente uma ação é obra de um impulso instintual único (que deve estar composto de Eros e Destrutividade). A fim de tornar possível uma ação, há que haver, via de regra, uma combinação desses motivos compostos.
Outro ponto que mostra a influência da Filosofia na Psicanálise é o encontro de idéias de Freud e Platão no que diz respeito ao princípio do prazer. Platão faz considerações sobre Eros e sobre a extensão que concede ao conceito da sexualidade, em “O Banquete”.  Sobre este assunto, escreve Freud: “O que tenho no espírito e, naturalmente, a teoria que Platão coloca na boca de Aristófanes, no Symposium, e que trata não apenas da origem da pulsão sexual, mas também da mais importante de suas variações em relação ao objetivo. A natureza original não era semelhante a atual, mas diferente”.
Dentre os filósofos aquele que mais se destacou pela sua aproximação com a teoria psicanalítica foi o filósofo Arthur Schopenhauer. A filosofia de Schopenhauer pode ser considerada referência primordial no estudo das relações entre a Psicanálise e a Filosofia.
Schopenhauer, o qual, embora nunca tenha se referido diretamente ao inconsciente em suas obras, defendeu, por outro lado, a existência de um estado de não-consciência e de processos de natureza não consciente. Sob esse aspecto, a filosofia de Schopenhauer pode ser considerada referência primordial no estudo das relações entre a Psicanálise e a Filosofia.
O inconsciente, assim como todo e qualquer conceito científico e filosófico precisa ser considerado segundo as características do seu tempo e das condições que permearam a história de vida desses pensadores.
A Psicanálise nasceu da necessidade de sua época em compreender as perturbações nervosas (mentais), por meio de uma observação verdadeiramente psicológica, apoderando-se não só da personalidade como da vida do homem enquanto indivíduo concreto.
Da mesma maneira, os filósofos que trataram da noção de inconsciente sofreram as influências de sua própria história ao abordar esta questão, e as razões que os motivaram foram as mais variadas. Com relação à Schopenhauer, isto não foi diferente. Sua investigação filosófica pelos processos não-conscientes enraizava-se na sua preocupação em entender a dinâmica da racionalidade e da irracionalidade, ou em outras palavras, a dinâmica entre a Vontade Individual e o Intelecto.
Sem que Freud tivesse procurado, ele esbarra em problemas e tradições externas à racionalidade psicanalítica. Ao construir sua Metapsicologia, o arcabouço conceitual da teoria que fundamenta a prática de escuta e tratamento do sofrimento psíquico, Freud acaba formulando uma teoria do sujeito calcada em dois pilares: a estrutura inconsciente da atividade mental e o caráter pulsional da sexualidade humana, com considerável participação de outros filósofos.
Por outro lado, há que se ver o quanto a teoria psicanalítica de Freud influenciou a Filosofia. Além da questão relacionada à moralidade, a sua afirmativa acerca da existência do inconsciente causou um terremoto nas convicções racionalistas que na época dominavam o panorama filosófico. Afinal, tinha-se como certo que o homem diferenciava-se dos demais animais justamente por ter a capacidade de raciocinar, mas eis que Freud coloca que o raciocínio não poderia continuar a ser tido como absoluto, pois era, na verdade, quase que um “mero executor” das intenções nascidas do inconsciente do sujeito. Pascal já afirmava que o coração (o inconsciente, os sentimentos irracionais) tem razões (motivos, objetivos) que a própria Razão (o consciente, o raciocínio) desconhece. Era uma oposição frágil, distante das Ciências Modernas nem dos sábios contemporâneos. Já com Freud isso não acontecia. Afinal, ele era um respeitado e atualizado médico, inserido no rol dos grandes cientistas de seu século.

Freud desenvolveu um estudo detalhado sobre um aspecto da personalidade humana que, de modo geral, não recebera a devida atenção da Filosofia. Com ele o homem ganhou certa complexidade e isto forçou uma grande revisão dos conceitos filosóficos, tanto em termos da Consciência, da Vontade, quanto do próprio Pensamento Humano.